ÓRGÃO OFICIAL DO COMITÊ CENTRAL DO PARTIDO COMUNISTA DE CUBA
Fidel com Roberto Fernández Retamar. Foto: La Ventana

ROBERTO Fernández Retamar foi, é e será essencialmente o poeta. Mais de uma vez ele confessou que a poesia lhe dera motivos para viver. A partir da poesia ele alcançou suas grandes paixões: José Martí, Cuba, Nossa América, a Revolução, a família, o amor, o melhor da raça humana.

Só um poeta pôde dizer, quase no final de sua existência, num ensaio por ocasião do sexagésimo aniversário do triunfo da Revolução Cubana: «Confiemos na Esperança outra vez, que, segundo Hesíodo, foi a única deixada na caixa, detida nas bordas, quando todas as outras criaturas a abandonaram. Em outros tempos convulsivos, tanto Romain Rolland quanto Antonio Gramsci mencionaram o ceticismo da inteligência, ao qual propunham opor o otimismo da vontade. Anos atrás, imaginei acrescentar a isso a confiança na imaginação, essa força essencialmente poética: a história, que segundo dizia Karl Marx, «tem mais imaginação do que nós».

Roberto nunca deixou de estar em sintonia com a história, isto é, com o tempo e o lugar em que cresceu e atuou. Ele já era um intelectual proeminente, mas ainda jovem, quando se entregou plenamente à tarefa de construir um novo país. A fundação da União dos Escritores e Artistas (Uneac), a cátedra, a diplomacia, o trabalho na Casa das Américas iluminada por Haydée, o Centro de Estudos Martianos, as tarefas políticas, a militância no Partido, o criador de revistas, o amante da trova e do beisebol, o lar compartilhado com a essencial Adelaida e suas filhas, integra de uma só vez a imagem de um homem coerente e consistente.

Nasceu em 9 de junho de 1930, em Havana, onde sentiu particular apego ao bairro em que se estabeleceu: Víbora. É por isso que ele declarou que se sentia «viborenho». Em um caderno escolar, descobriu Julián del Casal e sua leitura influenciou a afirmação de uma vocação que sempre teve o incentivo de ter acessado o mistério poético de José Martí. Começou a escrever na adolescência e publicou seus primeiros versos em 1948, na revista Mensuario. Em 1950 Elegía como un himno, poema de quatro partes, editado por quem seria um dos grandes cineastas cubanos, Tomás Gutiérrez Alea, é outra chave para sua linhagem lírica: o culto da memória histórica. A composição é dedicada a Rubén Martínez Villena.

Díaz-Canel conversa com Roberto Fernández Retamar. Foto: Ariel Cecilio Lemus

Em 1951, Retamar começou a colaborar na revista Orígenes, uma ligação que lhe permitiu juntar-se, no futuro, com dois exemplares seguidores de José Martí como ele: Fina García Marruz e Cintio Vitier. Enquanto estudava Filosofia e Letras na Universidade de Havana, onde estudava e depois se tornou professor de mérito, recebeu a notícia de obter o Prêmio Nacional de Poesia, pelo caderno Patrias. Viajou para a Europa, em meados dos anos 50, para prosseguir estudos de pós-graduação e lecionou na prestigiada Universidade de Yale, nos Estados Unidos.

Enquanto isso, no México apareceu seu livro de poemas Alabanza, conversaciones, na hora louvado por seu colega Luis Marré com estas palavras: «Roberto Fernández Retamar alcançou nestes poemas o seu propósito, que de um poeta honesto, que não pode ser de outra natureza, a não ser puro e altruísta, e o outro propósito que é o de ser lido com respeito, desde o primeiro poema até o último».

Em 1959 aumentou sua colheita poética e iniciou um novo compromisso com a Revolução. Entregou para ser impresso En su lugar la poesía e Vuelta de la antigua esperanza, um prelúdio para uma década pródiga em que ele acrescentou outros livros de poemas: Historia Antigua, Con las mismas manos, Buena suerte vivendo e Qué veremos arder. Sua experiência combativa e solidária com o povo vietnamita refletiu-se no Cuaderno paralelo.

Ao longo dos anos, até recentemente, longa e pródiga continuou a ser sua entrega lírica, publicada em Cuba, traduzida em cerca de vinte línguas e reconhecida em metade do mundo, especialmente na América Latina e no Caribe. Uma forma de tentar apreendê-lo é encontrada em antologias como Algo semejante a los monstruos antediluvianos (1948-1988), Antología personal (2004) e Una salva de porvenir (2012).

Ensaísta e teórico literário que elaborou diretrizes com La poesía contemporánea en Cuba (1927-1953) e Idea de la estilística ampliariam seu fluxo com Ensayo de otro mundo e Para una teoría de la literatura hispanoamericana.

Outros títulos importantes nesse campo são Algunos usos de civilización y barbárie, Ante el Quinto Centenario, Nuestra América: cien anos, y otros acercamientos a Martí, Recuerdo a..., En la España de la eñe, Cuba defendida e Pensamiento de Nuestra América. Autorreflexiones y propuestas. Uma seleção de seu trabalho de ensaio pode ser encontrada em Para un perfil definitivo del hombre.

                                                                 -II-

Para introduzir uma compilação dos textos de Roberto sobre a Nossa América, o cientista político argentino Atilio Borón disse: «Fernández Retamar, poeta, ensaísta e explorador de todos os recantos de nossa cultura, ilustra com sua vida e sua obra a validade permanente de uma categoria social que os interesses dominantes e as modas intelectuais do nosso tempo tentaram, sem sucesso, apagar da face da terra: a do intelectual crítico».

De fato, essa dimensão do escritor não apenas atravessa todas as palavras e ações dele, mas apresenta-o como um paradigma do intelectual revolucionário.

Ao revisar seu repertório de ensaios, separei Caliban (1971) e a saga de obras complementares que ele vinha desenvolvendo em anos sucessivos em torno do assunto, porque na opinião de muitos ele concentra, como em suas muitas abordagens emocionantes de José Martí, o cerne de suas contribuições para um pensamento descolonizante e antiimperialista.

Para o filósofo argentino Néstor Kohan, esse ensaio «faz uma defesa entusiasta do intelectual militante, não simplesmente crítico ou meramente 'comprometido', mas orgânico do movimento revolucionário emancipatório. Esse foi precisamente José Carlos Mariátegui e Ernesto Che Guevara; Nada diferente de Simón Bolívar e José Martí, ou José de San Martín e Mariano Moreno».

E como se não deixasse dúvidas sobre sua validade, ele aponta: «Os aspectos mais disruptivos, iconoclásticos e mesmo chocantes que o percurso atento deste ensaio permite vislumbrar a um leitor ou a um leitor do século XXI, não foram 'erros', 'ex abruptos' nem «exageros pessoais» de Roberto. Foi a Revolução Cubana como um todo (...) que foi encorajada a atropelar o padrão da cultura oficial, contra os padrões geralmente tolerados pelo arco do politicamente correto, violando na teoria e na prática o horizonte daquele pseudopluralismo pegajoso e do progressismo ilustrado e bem informado e com o qual, ainda hoje, continua sendo sufocada, neutralizada e esmagada toda a dissidência radical. No século 21, essa tarefa, não importa o quanto pareça ‘exagerada’ ou crie tensão, permanece pendente».

Será necessário sublinhar que Roberto era um guevarista até o núcleo, que ele o tinha em mente todos os dias? Ou que seu modo de lutar com ideias foi permanentemente guiado pelo exemplo de Fidel, visto pela primeira vez nos anos universitários quando ouviu «um jovem inquieto e esforçado, a quem poderia ter dedicado um verso de José Martí que diz: «Em prol de quem é que derramarei a minha vida?»

                                                                 -III-

«Roberto Fernández Retamar é um dos poetas mais significativos da sua geração. É muito cubano, curtido pela árvore que atinge a árvore universal do conhecimento. É delineada nele uma alegria que marcha acompanhada do destino opulento do cubano, do cubano melhor, que é universalmente simples». Foi assim que o descreveu, ao observar sua trajetória poética ascendente, José Lezama Lima.

A poesia coloquial alcançou com ele uma indiscutível altura entre nós. Em seus poemas, significados pelo máximo rigor, há de tudo e para todos. Cada leitor pode fazer sua própria antologia pessoal. Neste momento me ocorre revisitar Felices los normales, por sua carga humana; ou Los feos, um jeito de mostrar o outro lado da beleza; ou Con las mismas manos, uma abordagem singular da vida cotidiana em meio à vocação revolucionária transformadora; ou o inefável Oyendo un disco de Benny Moré, como se para ter em conta nestes dias o centenário do formidável músico.

Mas eu também me estremeço novamente com Y Fernández?, evocação da figura paterna que classifica como um dos grandes textos elegíacos da letra de nosso tempo.

Nós sempre teremos que retornar àqueles versos escritos no primeiro dia de janeiro de 1959, que ele intitulou El otro: Nós, os sobreviventes, / A quem devemos a outra vida? / Quem morreu por mim na ergástula, / Quem recebeu a bala minha, / La para mim, em seu coração? / Em que morto eu estou vivente, / Seus ossos permanecem nos meus, / Os olhos que lhe arrancaram, vendo / Pela aparência do meu rosto, / E a mão que não é sua mão, / Isso não é mais o meu, / Escrevendo palavras quebradas / Onde ele não está, mais além da vida?

Na outra vida do Roberto, todos estaremos. Aqueles que fomos seus contemporâneos e aqueles que irão acessá-lo amanhã.