ÓRGÃO OFICIAL DO COMITÊ CENTRAL DO PARTIDO COMUNISTA DE CUBA

FOI em 2 de agosto passado, no Jahnstadion de Beckum, Alemanha, um dia crucial para a saltadora Yarisley Silva. Como outro milhar de vezes pegou a vara, lançou-se furibunda em uma corrida de 14 passos, investiu qual moinho o bloco de decolagem e descreveu uma filigrana com seu corpo, aliada do sarrafo, um centímetro mais perto do céu, exatamente a 4.91 metros.

Esse não foi um salto comum. Constituiu para a atleta, nascida em 1º de junho de 1987, a terceira vez que superava a barreira dos 4.90 metros, além de converter-se no registro líder do ranking mundial da temporada 2015. Uma mulher cheia de façanhas, o que fez com que esta fibrosa mulata, de 1.61 metros e 63 quilos, merecesse ser escolhida a melhor esportista individual de Cuba, nos últimos 12 meses.

Essa altura para muitas outras atletas será sempre uma quimera. Tal é assim que apenas foi superada por outras duas mulheres: a russa Yelena Isinbayeva (5.06m, em Zurique, em 28 de agosto de 2009) e a estadunidense Jennifer Suhr (4.92m, em Eugene, em 6 de julho de 2008).

Muito poucos sabem que quando era criança Yarisley duvidou entre o balé e o esporte, inclusive fez provas durante uma captação, pois anelava converter-se em dançarina clássica. Finalmente desistiu, porque lhe disseram que engrossaria com o crescimento e então torceu pelo atletismo aos nove anos, sob o amparo do treinador Isidoro, na escola de ensino primário Manuel Ascunce, em sua cidade natal Pinar del Río.

Depois, na Escola de Iniciação Esportiva (EIDE) sua tia María de la Caridad acompanhou seus passos. Então, como quase sempre acontece nos inícios, praticava várias modalidades, até que aos 12 anos escolheu brincar com o firmamento, vara em mão. Assim chegou à seleção nacional, em 2002, com 15 anos e… Sabem qual era sua marca na época? 3.60 metros.

ALIANÇA INCONTESTÁVEL…

Dizer Alexander Navas na carreira esportiva de Yarisley, necessariamente conduz ao sucesso, à disciplina, à constância. Numa conversa sua aluna pródiga, — agora também comanda os treinos do vice-campeão universal de Daegu 2011, Lázaro Borges —, assegurou sobre seu mentor: “Navas é o eixo em todo meu rendimento e evolução. Estou com meu professor desde os 15 anos, quero-o como um pai. É muito paciente, metódico, vai com sua personalidade. Também por suas qualidades conseguimos atingir todos os resultados que exibimos. Tem um grande coração, não que eu diga isso, senão outras pessoas. Sua condição de excelente pessoa a conjuga com sua inteligência e planejamento detalhado, e já vê, nós estamos aqui e continuamos cheios de ambições”.

ENCONTRO DE AREVA, PONTO DE VIRADA

O encontro de Areva, no emblemático estádio parisiense de Saint Denis, marcou o ponto de virada para a campanha de Yarita, como muitos a conhecem carinhosamente. Acontece que tal como na temporada de 2014, não tinha começado muito bem, com leves fantasmas de autoconfiança, e algum déficit de preparação...

“Paris foi uma competição extremamente interessante, dessas que a vida coloca como obstáculo para que a gente saia mais fortalecida. Fiquei na segunda colocação, com 4.73m, atrás da grega Nikoleta Kyriakopoulou (4.83m), mas pessoalmente foi um triunfo psicológico, crucial para desterrar meus medos”.

“A vara quebrou. Então eu me disse: “Yarita, você tem que ir para frente”… Foi um exame total: com toda a confiança peguei outra vara e venci os 4.73m. Esse segundo lugar me fortaleceu mentalmente, essa sensação de que não podia decolar e minhas mãos iam derrapar, que não queria correr forte com uma vara mais dura… isso sumiu”.

TORONTO

“Pressão adicional. Preservar o título, esse recorde inédito de Guadalajara 2011, novamente a brasileira Fabiana Murer e a norte-americana Suhr em qualidade de rivais de peso. O atletismo cubano com rendimentos frouxos. À noite, antes tentei dormir calma, o ‘profe’ falou comigo, disse-me que tinha tudo para triunfar novamente. Salto a salto tudo foi fluindo.

“Só uma falta em 4.75m, depois, quando vi que superei os 4.85m na terceira execução, eu disse: 'Já isto é seu Yarita'. Acima dos 4.91m a adrenalina baixou; saber-se campeã influi e tecnicamente no estádio de York não saltei igual essa altura. Foi uma competição muito difícil, mas muito importante para minha carreira, porque se converteu essa medalha de ouro em um impulso”.

CHAVES DE BECKUM

“Beckum é uma competição que desfruto muito, tal como a de Drake Relays, em Iowa, Estados Unidos, ou na Mall Vault Stars, da Inglaterra. Constituem palcos nos quais as pessoas apoiam muito a gente, dão mostras de hospitalidade e amizade. É um privilégio concorrer aí. O resultado surpreendeu-me, não pensei que fosse naquele dia, mas assim é o esporte. Tecnicamente a vara com que saltei os 4.91m é da marca Pacer, suporta até 80 quilos de peso e mede 4.45 metros”.

“Esse salto me serviu para reafirmar mais na minha mente a ideia de elevar-me acima dos cinco metros; mas não é tão fácil como se diz. O ser humano é capaz de fazer o que for, enquanto se proponha isso. Há algum tempo por trás de cada conselho de meu treinador Navas, está esse objetivo em longo prazo. Em prol de materializar os cinco metros eu devo alongar minha carreira para 16 passos e possivelmente elevar alguns centímetros o agarramento. Claro, essas modificações se materializariam no próximo ano”.

“Isinbayeva é uma atleta excelente e eu a admiro muito por sua dedicação, sua cortesia e cordialidade, seus resultados e recordes, por tudo o que foi capaz de demonstrar ao mundo. Se em definitiva retorna à alta competição, no Rio de Janeiro 2016, será um orgulho rivalizar mais uma vez com ela. A volta à pista que demos as três, Isinbayeva, Suhr e eu, em Londres 2012 sempre a lembrarei como um dos momentos mais empolgantes de minha carreira esportiva”.

PEQUIM… O FIM

Muitos lembrarão aquela sequência impressionante de saltos de Yarisley no imponente estádio Ninho de Pássaros de Pequim, sede do encontro olímpico. A redenção existe, pois naquele mesmo palco se despediu sem penas nem glórias nos Jogos Olímpicos de 2008.

Agora, venceu in extremis os mencionados 4.70m; uma falta na tentativa dos 4.80m e depois, no último turno, os 4.90m inatingíveis para qualquer outra atleta na campanha de 2015.

Aos poucos, tomou o pulso à batalha campal e viu como foram caindo os pesos pesados: a alemã Martina Strutz (4.60m), a estadunidense Jennifer Suhr (4.70m), a sueca Angelica Bengtsson (4.70m).

Ela continuava com vida… Presenteou-nos outro salto ao vencer os 4.90m, temperado com o grito de descompressão, os braços abertos ao céu. Da mesma forma aconteceu com Denia Caballero, no disco, primeira vez que uma atleta antilhana consegue ganhar um cetro universal. Inclusive, Yarisley tentou pular 5.01m, mas o sarrafo lhe negou o sonho que não parará de perseguir.

Murer (4.85m), Kyriakopoulou (4.83m) e Suhr (4.82m), escoltas de Yarisley no ranking mundial, voltarão a concorrer com nossa guerreira na Cidade Maravilhosa, como é conhecida a sede dos próximos Jogos Olímpicos. Pode que Isinbayeva se some ao combate, depois de seu período de ausência por causa da maternidade. Por ora, todas veem a nossa como a rainha. Coroa bem ganha, força e autoconfiança, entrega, trabalho minucioso e competitividade incontestável.

rgumentos que, junto a suas virtudes técnicas e mestria esportiva, convertem-na numa atleta extraclasse… uma das melhores de Cuba.