
Cinquenta e quatro milhões de pessoas elegeram Dilma Rousseff para governar Brasil; 61 a destituíram. Uma cena que responde a uma “inequívoca eleição indireta”, segundo palavras da primeira presidenta mulher na história do gigante sul-americano quem foi removida do cargo em 31 de agosto, em um processo viciado desde o começo, há nove meses.
Não obstante, poderá exercer cargos públicos graças a uma moção apresentada pela defesa e aceita em outra votação no mesmo pleno do Senado.
O advogado defensor José Eduardo Cardozo anunciou que interporá duas ações no Supremo Tribunal Federal (STF). Cardozo reiterou que não existe justa causa para sustentar o afastamento de Rousseff. Segundo a Agência Brasil, o advogado disse que questionariam a ausência de um motivo legal para levar adiante o impeachment e afastar a presidenta sem nenhum fundamento, nem pressuposto constitucional.
Desta forma, foi consumado o golpe de Estado parlamentar que se vinha preparando meses atrás e se evidenciaram as grandes limitações da democracia burguesa. Teve mais força o desejo de uma minoria conservadora lastimada por sua derrota nas últimas eleições de 2014 que a vontade popular expressa nas urnas. Desgastaram um governo por meio de mentiras, chantagens e desestabilização.
Durante todo o processo de impeachment contra Rousseff a parte acusatória não conseguiu provar nunca o suposto delito cometido: maquilhar as contas fiscais. Um método usado por governantes anteriores sem nenhum tipo de consequência política. Isto permite ver a medida da caçada às bruxas iniciada depois do anúncio feito pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em um ato em dezembro passado, da possibilidade de se apresentar nas eleições de 2018. Isso provocou um turbilhão político na nação que, somado a erros em questões econômicas, chantagens por parte de figuras polêmicas como Eduardo Cunha e uma poderosa maquinaria midiática convertida em partido político praticamente demonizaram ambos os líderes petistas e acabaram na destituição de Rousseff.
A instabilidade política se tornou mais forte quando em março passado o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) abandonou a coligação de governo com o Partido dos Trabalhadores (PT). Esse foi um duro golpe para o PT.
Este acontecimento significa um retrocesso nas conquistas sociais, regionais e econômicas alcançadas durante 13 anos de governo do PT, o respeito à Constituição, o papel do Brasil no plano regional, a defesa dos recursos naturais e seu futuro. É também uma chamada de alerta aos movimentos sociais e de esquerda que agora, da oposição, disseram que se manterão nas ruas até que sejam restituídos os direitos da maioria que tem sido relegada.
DILMA: SAIO DA PRESIDÊNCIA COM A MESMA DIGNIDADE COM QUE CHEGUEI
Dilma Rousseff foi julgada pela primeira vez na vida quando tinha 20 anos, nos começos da década de 70. Era uma revolucionária guerrilheira que se enfrentava a um tribunal de militares que tinham o rosto coberto para não serem reconhecidos. Passados 46 anos foi julgada por segunda vez ante um plenário de senadores, a maioria deles corruptos. Ali disse sentir novamente na boca “o gosto áspero e amargo da injustiça e o arbítrio; por isso resisto, tal como no passado”.
Rousseff foi interrogada durante 14 horas, em 29 de agosto, como parte da etapa final do processo de impeachment contra ela. Em seu discurso e nas intervenções para responder as perguntas dos senadores — detratores e aliados— se manteve calma e à altura do momento histórico que ela sabia estava liderando.
Insistiu em que o país estava à beira da consumação de “uma grave ruptura institucional” e reiterou que as acusações lançadas contra ela eram “meros pretextos sustentados por uma frágil retórica jurídica”.
“São pretextos para viabilizar um golpe à Constituição. Um golpe que, se consumado, resultará em uma eleição indireta de um governo usurpador”, disse naquele momento.
Pouco depois de conhecida a sentença, Rousseff compareceu diante da imprensa e enviou uma mensagem ao povo brasileiro assegurando que o governo golpista de Michel Temer enfrentará “a mais determinada, firme e enérgica oposição”, pois o golpe não vai dirigido solo contra ela, mas também contra o povo e a nação, contra os movimentos sociais e sindicais e contra todos aqueles que lutam por seus direitos.
Rousseff concluiu dizendo que saía da Presidência da República com a mesma dignidade com a que havia chegado e também com idêntica vontade de continuar lutando por Brasil.
PODER NA SOMBRA
O governo de Michel Temer, quem também é acusado de corrupção, é composto por uma representação da elite política: homens brancos endinheirados e o povo ficou fora neste novo mandato.
Sete dos membros do governo são investigados pela Justiça ou já foram condenados.
Temer não terá uma presidência tranquila. Os fortes protestos nas ruas que sapo um reflexo do que vai enfrentar. Suas primeiras medidas incluem cortes na despesa pública, privatizações na saúde, educação; aumento da idade para a aposentadoria, e uma revisão “exaustiva” dos programas sociais implementados durante os governos petistas. Desde seu primeiro dia anunciou que serão adotadas medidas “duras” e “de urgência” focalizadas sobretudo na economia. O neoliberalismo bate na porta novamente.
Ainda assim, Henrique Meirelles (PMDB), ocupante da pasta da Fazenda, reconheceu que os programas sociais implementados pelos governos do Partido dos Trabalhadores “se manterão”.
Com Temer na presidência agora se cumpre o provérbio de que os pemedebistas são experientes na arte de governar sem ter vencido nunca uma eleição. Isso é devido, fundamentalmente a que são a maior força política do país por regiões, tem as primeiras minorias nas câmeras de Deputados e do Senado e o maior número de governadores e prefeitos do país.
Carente de uma figura carismática ou conhecida pelos brasileiros, ou talvez sempre afastado do povo, o PMDB nunca apresentou uma candidatura própria a nenhuma eleição. Sua técnica é se oferecer como aliado ao governante de turno.