
MANÁGUA, Nicarágua.— O terremoto de 1972 reduziu a escombros a cidade de Manágua, mas a antiga catedral tal como os bons boxeadores ela se manteve em pé. Ainda hoje, é possível ver as gretas nas colunas e à destruição nas duas torres frontais, mas a resistência do prédio faz lembrar o caráter nicaraguense.
Cobiçado pelos corsários e invadido pelos marines estadunidense, em várias ocasiões, nos começos do século passado, esse país centro-americano conheceu poucos momentos de tranquilidade.
A Revolução Sandinista, que triunfou em 19 de julho de 1979, foi a resposta popular à desigualdade e o atraso provocado durante a ditadura dos Somoza, apoiada pelas administrações estadunidense desde Franklin D. Roosevelt até Gerald Ford, talvez com a honrosa exceção de Jimmy Carter.
«Somoza é um filho da puta, mas é nosso filho da puta», contam que disse Roosevelt quando questionaram seu apoio ao regime que traiu a causa de Augusto Cesar Sandino e assassinou milhares de pessoas até seu derrocamento.
A Revolução começou programas de alfabetização, deu terras, reformou a Polícia e o Exército. Os jovens guerrilheiros sandinistas, com amplo apoio popular e a solidariedade de países como Cuba, mudaram a situação da Nicarágua em pouco tempo.
Os estadunidenses, em troca, utilizaram todas as formas possíveis para esmagar a frágil economia do país e criaram uma oposição armada. Aquilo deu começo a uma guerra civil. Quando a Casa Branca teve limitações pelo Congresso para o financiamento de suas operações encobertas na Nicarágua, envolveu-se no escândalo do Irã-Contras. Vendiam armas à nação persa (o qual era proibido para eles) e utilizavam esse dinheiro para pagar seus mercenários da América Central.
Em meio do conflito civil e a intervenção norte-americana, as eleições de 1990 foram adversas para o movimento sandinista, já que a oposição resultou vencedora. Durante 16 anos de governos neoliberais, aumentou a diferença entre pobres e ricos e se fez pouco para atingir uma estabilidade social no país.
O MILAGRE NICA
A vitória eleitoral nas eleições de 2006 colocou a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), dirigida pelo comandante Daniel Ortega, novamente nas rédeas dos destinos da Nicarágua, mas em uma etapa histórica diferente.

Os resultados dos modelos de reconciliação nacional, paz e unidade que se aplicam a partir daquela etapa não só foram reconhecidos pela imensa maioria dos cidadãos e importantes organismos internacionais, mas têm vigência nas condições de uma nova Nicarágua.
A beira do lago Xolotlán, que há alguns anos se tornou a lixeira da cidade, derivou em um passeio urbano, com centenas de praças para a diversão das crianças.
O programa de tratamento da água do lago começou em 2009 e já sumiu o cheiro desagradável do passado e as ameaças à saúde para os moradores da cidade.
Segundo especialistas, caso se evitar o vazamento de novas águas residuais e se continuar o tratamento, será possível tomar banho no lago Xolotlán, sem riscos para a saúde, daqui a 20 anos.
A preocupação pelo meio ambiente é uma das diretrizes do governo sandinista. Na beira do Cocibolca, o maior espelho de água do país, elevam-se mais de vinte geradores eólicos de última tecnológica que produzem energia suficiente para 160 mil lares.
O estado de Rivas é uma das zonas de vento mais privilegiadas do mundo e o plano é duplicar a produção. Também existem condições para desenvolver a biomassa, a energia geotérmica, hidráulica e solar.
Em Puerto Sandino, no centro-ocidente do país, instalou-se, recentemente, um gerador solar com 46 mil módulos fotovoltaicos de 12,5 MW que é o maior dos três com que conta o país até hoje.
Nove em cada dez nicaraguenses têm hoje acesso à eletricidade, em comparação com os cinco em cada dez que desfrutavam do serviço em 2005.
O movimento sandinista recebeu, em 2007 um sistema de produção elétrica colapsado, que mal gerava 500 MW e dependente de petróleo. Atualmente, mais de 53% da matriz energética é por geração limpa e a esperança é atingir 90% na próxima década.
A economia geralmente não para de crescer nos últimos anos, com uma média acima de 5% do PIB, um dos mais altos da região, só ultrapassado pelo Panamá.
O crescimento se reverteu em benefício da maioria, graças a amplos programas sociais do governo, que chegam às populações mais vulneráveis.
Fome zero permite obter animais de chácaras para começar um empreendimento em zonas rurais. As mulheres que mantêm suas famílias são priorizadas. O programa neste ano se encontra em uma etapa superior ao mudar a gratidão por um sistema de prestação que garanta a autossuficiência dos beneficiados.
O Plano Teto, entretanto, melhora as condições de vida de milhares de pessoas, muitas delas afetadas por desastres naturais, e Usura Zero contribui com créditos, com juros justos, para as pequenas é médias empresas.
Segundo o relatório do Banco Mundial, em 2005, 46% da população nicaraguense vivia na pobreza e 15% na extrema pobreza. Durante os últimos anos de governo sandinista os números diminuíram quase para metade, com 24% na pobreza e 6,9% na extrema pobreza.
O país também possui um dos melhores índices de segurança cidadã da América Latina e o Caribe, apesar de que alguns dos países pertencentes a esta região têm os maiores índices de violência do mundo.
CONFIANÇA NO PROGRESSO
Nas eleições de novembro de 2016, a FSLN conseguiu uma esmagadora vitória. O presidente Daniel Ortega e sua fórmula vice-presidencial, a companheira Rosario Murillo, obtiveram 72% dos votos.
A velha burocracia partidarista, liberal e conservadora, não se recupera do descrédito entre 1990 e o 2006. Uma sondagem recente da firma M&R Consultores confirma seus piores temores.
A fórmula de Daniel e Rosario tem índices de aprovação que ultrapassam 70%. A sondagem mostrou, também, que 77,1% dos nicaraguenses considera que o governo sandinista gera esperança; entretanto 77,4% estima que o país esteja corretamente encaminhado e 82,1% que propicia a unidade e reconciliação.
Faltando pouco para as eleições municipais de novembro próximo, a FSLN, mantém-se como o partido de maior aceitação, com 56,8%, contra 38,3% que disse não ser a favor de nenhuma agrupação política e só 4,9% na oposição.
Nicarágua, tal como sua catedral, não só resiste a violência de sua terra rica em vulcões e lagos, mas também uma história de agressão, guerra e neoliberalismo, para retomar o caminho do progresso sob o guia sandinista.





