A globalização neoliberal tem sobrenome. É disseminada através de um corpo doutrinário elaborado plena e coerentemente pelos tanques pensantes do capitalismo. Para sustentar a preponderância do mercado sobre os princípios reguladores do Estado, associam a modernidade a um conjunto de concepções que invadem todos os territórios da sociedade. Elas incluem reformas educacionais, propagam verdades absolutas pela academia, anulam e fragmentam o conhecimento da história e minam o papel da política, parcialmente moldada pelo rápido trânsito da democracia burguesa.
O domínio da mídia, através da disseminação de mentiras, substitui o papel desempenhado pelos programas dos partidos políticos tradicionais. O comportamento aparentemente excêntrico do presidente dos Estados Unidos responde a esse modelo. Em um tiroteio constante, a opinião pública se diverte com a multiplicação de pontos quentes e áreas de conflito que ameaçam, como a espada de Dâmocles, com uma guerra iminente.
A realidade dos interesses do grande capital transnacionalizado é mascarada por trás de um show no qual o evento de hoje apaga o evento de ontem. A manipulação da opinião pública é direcionada ao descrédito da política em uma circunstância em que o drama de «os condenados da Terra» é multiplicado e o neocolonialismo adota novas fórmulas. Para o consumo dos países que carregam a herança do subdesenvolvimento, é estabelecida a ideia de que a globalização nos torna cidadãos de um mundo onde a reivindicação de identidade não ocorreu.
Enquanto isso, o slogan de America First convoca os setores mais retardados da sociedade americana, com um forte componente xenofóbico, racista, misógino e homofóbico. No fundo desse pensamento, há um renascimento acelerado de um fascismo que pensávamos ter sido liquidado com o fim da Segunda Guerra Mundial.
Infelizmente, a Europa, que sofreu em si mesma os horrores desse conflito, que viveu holocaustos de natureza diversa e encontrou câmeras de gás nos campos de concentração, está passando por uma crise de ideologias semelhante. Em ambos os lados do Atlântico são erguidos muros contra a emigração. O Mediterrâneo tornou-se um cemitério marinho. Por outro lado, os laços que poderiam ter reafirmado a União Europeia como uma voz alternativa em um diálogo multilateral são rompidos.
O eco caricatural dessa doutrina ocorre no Brasil, onde o presidente reivindica a ditadura militar, onde é pregado o exemplo de Pinochet, tudo absolutamente não mencionável alguns anos atrás. O antecedente imediato é um golpe de estado parlamentar e a politização da justiça, bem como o uso de fundamentalismos religiosos na manipulação primária das consciências.
As declarações públicas e ações imediatas se voltam contra a educação e a cultura, ao mesmo tempo em que entregam os recursos nacionais ao maior lance e autorizam a expansão do agronegócio na Amazônia. Os perigos que surgem com essa ofensiva incluem o estabelecimento e a naturalização de ideias fascistas, a supressão de conquistas populares resultantes de anos de batalha e a ameaça à sobrevivência das espécies no planeta com a aceleração das mudanças climáticas, a partir da ruptura de compromissos regulatórios de poluição, internacionalmente aceitos.
Para combater essa ofensiva, impõe-se uma re-articulação do pensamento esquerdista com a releitura de suas fontes originais, a análise crítica das experiências socialistas e reformistas e o resgate de uma tradição latino-americana de pensamento.
«O respeito ao direito alheio é a paz», disse o Benemérito das Américas, Benito Juarez, aquele indiano de Oaxaca que aprendeu espanhol com seus próprios esforços, cresceu fazendo e conhecendo um país que tinha sofrido a remoção de grande parte de seu território pelo império em expansão e pela imposição do imperador Maximiliano da Áustria.
O México está preso entre a chantagem tarifária que ameaça suas exportações e o compromisso de enfrentar, pelas duas fronteiras, norte e sul, a invasão imparável de emigrantes. A solução proposta pelo presidente López Obrador, que visa aliviar a pressão migratória por meio de políticas para estimular o desenvolvimento, caiu no vácuo. São problemas de fundo que ameaçam o destino de todos, mascarados pela política transformada em espetáculo, com seu consequente descrédito. Sob a influência desses altos e baixos, as pessoas votam contra seus interesses essenciais, embora tardiamente se conscientizem do erro cometido.
Nossa América é portadora de um pensamento emancipatório, enraizado no conhecimento dos males da Terra e na avaliação do dramático legado colonial. As ideias que animaram a Revolução Cubana estão inscritas, à luz da contemporaneidade, nessa tradição, com seu centro de gravitação na busca da realização humana. Insisto em que a releitura produtiva desse conhecimento acumulado deve se manifestar na re-articulação coerente de uma plataforma de esquerda.
Nessa perspectiva, é essencial refazer um pensamento pedagógico com o objetivo de treinar as gerações que nascem para decifrar a realidade que as cerca e descobrir a verdade por trás dos fogos de artifício do ilusório. Sair da trilha e das fórmulas testadas pela rotina é um desafio gigantesco. Mas os grandes desafios condicionaram o crescimento da espécie e, em um nível individual, tornaram a vida cotidiana significativa. (Retirado do Juventude Rebelde)