«Os quatro pontos cardinais são
três: o Sul e o Norte»
—Vicente Huidobro
A notícia de que um atirador solitário, armado com um fuzil de assalto, disparou vários tiros contra o edifício da embaixada cubana em Washington, é uma dessas noticias contraditórias que reúnem o rotineiro e o acostumado, com o excepcional, o superficial e evidente com o oculto e sórdido.
Que o atirador solitário tenha chegado até o edifício da embaixada fala da vontade de ação do atirador e, ao mesmo tempo, a facilidade com que uma arma de alta capacidade de dano pode ser adquirida no país do Norte. Segundo isso, o fato alinha-se com outros tantos parecidos, nos quais marcam presença as armas de fogo e existe vontade e disparos.
Que o ataque tenha sido efetuado contra o edifício da embaixada cubana é único e excepcional, ao menos de três pontos de vista. Primeiro, porque se trata, exatamente, do país em cuja contra (e durante mais de 60 anos) sucessivos governos estadunidenses implementaram, deram continuidade e intensificaram, a política de embargo/bloqueio. Segundo, porque é duvidoso que haja algum outro exemplo de embaixada de outros país do mundo que, nesse espaço de tempo, haja recebido o mesmo número de ataques terroristas do que a cubana, muito especialmente porque os referidos ataques tiveram como executores cidadãos nacionais vindos dos setores mais agressivos entre os exilados cubanos que residem nessa nação. Em terceiro lugar, porque as autoridades estadunidenses converteram em uma tradição macabra a atitude de acolhimento (entusiástica), ou proteção (de voz calada) a qualquer pessoa que possa demonstrar (ou jurar que possui) um currículo de «danos causados à Revolução Cubana».
Este fato, que é muito possível que não vejamos — já não ressaltado ou nem sequer publicado, mas apenas investigado — nas manchetes dos grandes jornais do mundo, não é mais um ataque. Diga-se de outro modo, não é mais um número a adicionar aos acontecimentos com armas que, a cada momento, ocorrem nos Estados Unidos.
A frase que utilizei na introdução do presente artigo, em modo algum provém de um poema político; contudo, o que me interessou nela é a reivindicação de um jeito de pensar e interpretar a realidade. Como é possível que uma distribuição múltipla, entre quatro pontos inconciliáveis entre eles, acabe se revelando como a oposição de apenas duas colocações extremas? O que é preciso descobrir para que fatos, aparentemente separados, demonstrem que são variações do mesmo fato básico?
As perguntas precedentes vão me servir para imaginar que os disparos contra a embaixada, a manutenção plena do embargo/bloqueio nestes tempos da pandemia mundial, a demonização do trabalho das brigadas médicas cubanas, a recente negação de empresas suíças (compradas por empresas estadunidenses) a fornecer a Cuba ventiladores para pacientes graves com a Covid-19, são rostos diferentes da mesma atitude: o ódio.
É preciso se opor, falar, denunciar, discutir, contestar.
Olhar para outro lado, agir como se nada digno de atenção estivesse acontecendo, referir-se a este encadeamento de episódios como algo leve ou manter um silencio cúmplice, são exemplos da mesma postura criminosa. Também são os sofismas e manipulações da linguagem que acompanham e relativizam o crime.
Nas próximas horas ou dias vão começar a aparecer detalhes sobre o atacante; mas se alguma coisa não podemos esquecer é que — apesar do opróbrio — o sucesso é menos importsnte que a rede em cujo interior está situado. Levar ao espaço público a indignação e a solidariedade é a resposta perante o horror da violência.





