ÓRGÃO OFICIAL DO COMITÊ CENTRAL DO PARTIDO COMUNISTA DE CUBA

A vida de Humberto de La Calle está indissoluvelmente ligada a história mais recente da República da Colômbia. Na trajetória deste professor, advogado e diplomata ressaltam momentos relevantes, como seu desempenho na responsabilidade de ministro do Governo, no período de governo de César Gaviria, com o encargo de representar o executivo perante a Assembleia Nacional Constituinte, de 1991: como vice-presidente da República no governo de Ernesto Samper, até a sua demissão; ministro do Interior no governo de Andrés Pastrana e, mais recentemente, candidato às eleições presidenciais de 2018 nessa nação sul-americana.

Contudo, milhões de colombianos associam Humberto com um fato transcendental para o seu país, almejado historicamente por várias gerações: a paz na Colômbia.

De La Calle foi chefe da equipe negociadora, por parte do Governo de Juan Manuel Santos, no Processo de Paz com as Forcas Armadas Revolucionárias da Colômbia—Exército do Povo (FARC-EP), desde o ano 2012 até chegar ao momento do Acordo Geral para a Terminação do Conflito e a Construção de uma Paz Estável e Duradoura na Colômbia, assinado em Havana, em 2016.

Do trabalho da Ilha maior das Antilhas nos diálogos de paz, da situação política do seu país na atualidade e dos últimos episódios das relações entre ambas as nações, comentou ao Granma Internacional Humberto de La Calle, aquele homem que afirmou, desta Ilha, naquele memorável dia 25 de agosto de 2016, que: «A melhor forma de vencer a guerra foi sentando-se a falar da paz».

Como valoriza o papel de Cuba durante o processo de paz do seu país?

«O papel do Governo cubano foi extraordinariamente importante. Resultou um dos ingredientes necessários para conseguir o sucesso do Acordo. Destaque para o desempenho dos diplomatas e funcionários que acompanharam as duas delegações. Um trabalho desenvolvido em meio do maior profissionalismo».

«Cuba entendeu de maneira cabal o seu papel de garante, em parceria com a Noruega, em uma negociação direta entre as partes. Nesse sentido, foi absolutamente neutral, precisamente como era esperado. Os dois garantes foram uma garantia para ambas as partes e receberam de nós uma ampla margem de confiança, que manipulamos com senso e discrição. Na minha primeira visita como chefe da delegação ao então presidente Raúl Castro, ele deixou claro a sua postura: “Contem com todo o apoio de Cuba, mas da nossa parte não vai haver desvios nem interferências”. E também devo ressaltar a generosidade dos nossos anfitriões durante esse longo período, bem como o carinho do povo cubano, desdobrado sem mesquinharia, para tornar mais grata a nossa estada».

O quarto relatório de implementação do Instituto Kroc, de Estudos Internacionais da Paz, da Universidade de Notre Dame, apresentado em 16 de junho passado, recolhe que, até novembro de 2019, mais de metade do Acordo de Paz estava em sua fase inicial de implementação. A que se deve este fato?

«Registraram-se avanços na reincorporação dos ex-combatentes. Mas o atual Governo colombiano, e destacados líderes do partido do Governo, reiteraram que a sua tarefa se concentra em atender os que eles chamam de ”guerrilheiros de base”. Isso gera um vazio que conduziu a que haja temas estruturais que são uma sorte de guia para a Colômbia, além das partes em Havana, que estão francamente congelados».

«Uma genuína reforma rural integral continua sendo uma tarefa pendente, tal como a reforma política. Quanto à justiça transicional, para ninguém é um segredo que o Governo apresentou de maneira inadequada, desacordos com a mesma, por fortuna, fracassados. Acho firmemente que é um erro deixar de lado o Acordo que significou o fim dos confrontos cuja duração ultrapassa meio século».

Também resulta alarmante que até o momento já tenham sido assassinados mais de 200 combatentes das FARC-EP, depois da assinatura do Acordo de Paz. Como deixar definitivamente atrás a violência em seu país?

«Cumprir na íntegra o Acordo é a melhor receita. No caso, por exemplo, das culturas de uso ilegal, a substituição voluntária gera um impacto mais sustentável. O uso da forca deixa aberta a porta a novos plantios de coca, como indicam as Nações Unidas em seus relatórios».

«Tenho muito cuidado ao proferir as palavras. A morte de líderes sociais e de pessoas que estiveram envolvidas no crime de rebelião, não é totalmente nova. Não se pode culpar totalmente o Governo como se tivesse inaugurado essa hecatombe. Mas a incerteza criada em torno do Acordo contribuiu para esse número que provoca alarme, ao qual é preciso acrescentar a morte de outros líderes. Tal é o caso, por exemplo, dos defensores dos direitos humanos».

A Mesa de Diálogos de Paz entre o Governo colombiano e o Exército de Libertação Nacional (ELN), vinha sendo realizada em Havana, até à sua conclusão, devido a uma decisão do presidente Iván Duque. Qual é a opinião que o senhor tem do papel de garante de Cuba nestas negociações?

«Eu não estive pessoalmente envolvido nessas negociações, mas tenho a percepção de que Cuba manteve o mesmo rigor que mostrou em relação com as conversações com as FARC-EP».

Como valoriza a decisão do atual Governo colombiano de desconhecer o Protocolo de Ruptura, assinado no âmbito das negociações de paz pelo Governo da Colômbia, o ELN e os países garantes?

«Um grande engano. Os protocolos de ruptura são milenares. Não haveria possibilidade de diálogo se não são assinados e cumpridos. O Governo rumou por um caminho errado e criou um problema que chegou a converter-se em um túnel sem saída. E não se trata somente de Cuba, porque a Noruega como garante outros países também concorreram a esses protocolos».

«Indo mais além da norma jurídica, esse Protocolo não é um papel irrelevante. É um compromisso jurídico e moral do Estado colombiano. O argumento de que foi assinado pelo Governo anterior carece de toda validade».

Também em 2019, a Colômbia modificou sua postura histórica de apoio à Resolução que cada ano aprova a Assembleia Geral das Nações Unidas, exigindo o fim do bloqueio econômico, comercial e financeiro dos Estados Unidos contra Cuba...

«Um erro da política exterior. O bloqueio viola critérios elementares de respeito à dignidade humana».

Por outro lado, o Alto Comissário para a Paz do Governo da Colômbia, Miguel Ceballos Arévalo, declarou em alusão à inclusão de Cuba na lista dos Estados Unidos de países que supostamente não cooperam na luta contra o terrorismo, que a decisão do Departamento de Estado era um “apoio” ao Governo da Colômbia e à sua insistente solicitação” para que Cuba lhe entregasse os membros da delegação de paz do ELN.

«Com efeito, essa declaração foi feita. Depois, em um debate de controle político, o Governo colombiano sustentou que não tinha falado do tema com o Governo estadunidense. Mas o fato é que o Comissionado entendeu que era um apoio à Colômbia e à solicitação de ruptura do Protocolo de Saída. Algo muito grave. Gerar ou aplaudir essa decisão equivale a condenar Cuba pelo fato de honrar sua palavra. Porque, além disso, para ninguém é um segrego que Cuba colaborou com vários governos colombianos para a procura do fim do conflito. Nesta altura é impossível mostrar atuações de Cuba encaminhadas a fomentar o terrorismo em nosso solo».

O Governo de Iván Duque anunciou recentemente a decisão de manter e consolidar as relações diplomáticas com Cuba...

«Pois assim deve ser. Havia tempo que a Colômbia tinha adotado um esquema aberto em suas relações exteriores. Agora vemos uma atitude diferente para Cuba, que nos isola do panorama regional e que constitui, além do mais, um ato de ingratidão perante um país que muito arriscou a favor do fim do conflito armado. Tomara que essas palavras sejam uma realidade e que se consiga superar o assunto do Protocolo, a fim de recuperar o ambiente de solidariedade mútua que nos foi muito útil».

Vários congressistas da República da Colômbia exortaram, em 5 de junho passado, “a que o Governo, de forma explícita, reitera seu compromisso com o papel de Cuba como país garante no processo de implementação do Acordo de Paz”. O senhor respalda esse pronunciamento?

«Integralmente».

A partir de sua experiência o que o senhor sugere a qualquer equipe negociadora que participe de um Processo de Paz?

«Ter claro que o que seja assinado, deve ser cumprido, além das vicissitudes políticas posteriores. O negociador é a voz do presidente, quem como chefe de Estado competente na matéria, compromete o Estado colombiano».

Finalmente, como define a situação atual na Colômbia?

«Temos dificuldades por causa da pandemia. Até agora os números foram bons, mas preocupam os efeitos sociais sobre a população, já que o golpe à economia e ao empego foi duro».

«Espero que os colombianos compreendam que uma forma de atender aos mais fracos é cumprir o Acordo naquelas zonas indicadas como as mais flageladas. Em vez de contradição, a luta contra a pandemia é complementar do Acordo, ao menos naquilo que diz relativamente às previsões sobre desenvolvimentos territoriais. De resto, há um forte confronto político. Espero que consigamos superá-lo para entendermos que a reconciliação é imperativa, se queremos um país melhor».