
COM a referência a um excerto de um dos “Versos Simples”, mais conhecidos de nosso Herói Nacional, José Martí: “Cultivo uma rosa branca”, começou seu discurso o presidente dos EUA, Barack Obama, perante uma representação da sociedade civil, reunida no Grande Teatro de Havana Alicia Alonso, depois de agradecer ao povo e ao governo de Cuba pela calorosa acolhida durante sua visita.
“É uma honra extraordinária estar aqui hoje”, disse o presidente da nação do Norte. E dedicou umas palavras do seu discurso aos atos terroristas que tiveram lugar na terça-feira, 22 de março, em Bruxelas. “Os pensamentos e orações do povo norte-americano estão com eles e condenamos esses ataques contra inocentes. Temos que trabalhar juntos (...) Temos de combater o terrorismo”, acrescentou.
Obama disse que chegou a Cuba para fornecer “a saudação da paz”, em um processo marcado por “barreiras de história, ideologia, dor, separação”, precisou.
Em seu discurso, lembrou os dias da Crise de Outubro (dos Mísseis), a invasão pela Baía dos Porcos e as décadas de conflito entre os EUA e Cuba. “Existem diferenças entre nossos povos, — disse — mas temos de reconhecer os aspectos comuns”. E referiu-se aos laços históricos e culturais que unem os dois países; por exemplo, a colonização europeia, a descendência africana, a herança dos escravos e dos senhores de escravos, o gosto pela música e os esportes.
“Ambos vivemos em um Novo Mundo colonizado por europeus. Cuba, tal como os Estados Unidos, foi constituída por escravos trazidos da África; tal como os Estados Unidos; o povo cubano tem legado de escravos e proprietários de escravos. Ambos demos as boas-vindas aos imigrantes vindos de terras distantes para começar suas vidas aqui nas Américas, ao longo dos anos nossas culturas acabaram se unindo”, disse Obama. E indicou que o trabalho feito pelo doutor Carlos J. Finlay aqui em Cuba facilitou o trabalho de gerações de médicos, como Walter Reed, quem veio aqui e depois lutou contra a febre amarela.
“José Martí escreveu em Nova York; Ernest Hemingway escreveu aqui e também se inspirou nas águas destas costas”, lembrou o presidente. E acrescentou que “nós compartilhamos um esporte nacional: o beisebol. E hoje nossos jogadores vão competir no mesmo estádio de Havana, onde Jackie Robinson jogou antes de fazer parte das Major Leagues. E diz-se que nosso grande boxeador Muhammad Ali disse uma vez que ele nunca poderia lutar contra um cubano, porque ele só poderia chegar a um empate com um grande cubano: Teófilo Stevenson”.
“Nossos povos têm os mesmos valores, o sentido de patriotismo e orgulho, um amor pela família, paixão por seus filhos e compromisso com a educação”, acrescentou. E comentou as diferenças na forma de condução dos governos, as economias, a sociedade.
“Apesar destas diferenças, em 17 de dezembro de 2014, o presidente Castro e eu anunciamos que os Estados Unidos e Cuba iniciariam um processo de normalização das relações entre os dois países. Desde então, temos estabelecido relações diplomáticas, abrimos as embaixadas; começamos a implementar iniciativas para trabalhar na saúde, agricultura, educação, nas entidades da ordem. Chegamos a acordos para restaurar os voos diretos e o serviço de correio; maiores relações comerciais e, ainda, maior capacidade para que os americanos venham aqui a Cuba. Essas mudanças foram muito bem-vindas, embora ainda existam aqueles que se opõem a estas políticas. Mas ainda muitas pessoas perguntam: Por que agora? E por que agora? E há uma resposta bem simples: O que estavam fazendo os Estados Unidos não estava funcionando. Devemos ter a coragem de reconhecer a verdade: uma política de isolamento projetada para a guerra fria não faz sentido no século XXI; o embargo feria os cubanos em vez de ajudá-los. E eu sempre pensei naquilo que Martin Luther King disse: ‘A urgência feroz da hora'. Não temos que ter medo das mudanças, temos que aceitá-las”, disse.
“Acredito no povo cubano! Esta não é apenas uma política de normalização das relações com o governo de Cuba: Os Estados Unidos estão restaurando as relações com o povo cubano”, disse Obama.
"O cubano 'inventa no ar'", acrescentou o presidente. E pôs ênfase “no talento dos trabalhadores independentes, nas cooperativas, nos ‘almendrones' (calhambeques) que ainda funcionam”. E, em seguida, reconheceu o sistema de educação da Ilha maior das Antilhas, que valoriza todas as meninas e meninos; além de mencionar que Cuba começou a se abrir para o mundo e os trabalhadores independentes podem ter sucesso sem perder sua identidade cubana. “Os cubanos podem inovar e se adaptarem, sem perder sua identidade”, disse.
“Nossas políticas são para apoiar Cuba, não para machucá-la, por isso eliminamos as limitações no envio de remessas, para que os cubanos tenham mais recursos; por isso incentivamos as viagens, que vão construir pontes entre nossos povos, vai haver maiores rendas aqui para aqueles pequenos empresários cubanos. Então, vamos fazer trocas entre os dois países, para poder encontrar cura para doenças, criar empregos e abrir mais possibilidades para os cubanos”.
“Como presidente dos Estados Unidos pedi ao Congresso dos EUA para levantar o embargo, é uma carga obsoleta sobre o povo cubano, é uma carga para os americanos que querem trabalhar aqui, investir em Cuba, vir a Cuba. É hora de levantar o embargo”, disse Obama.
“Antes de 1959 alguns americanos acreditavam que Cuba era algo a ser explorado, não prestavam atenção à pobreza, permitiram a corrupção. Desde 1959 estamos envolvidos em nossas ideias geopolíticas e de personalidade, eu sei a história, mas não vou ser preso por ela. Eu fui muito claro: os Estados Unidos não têm nem a capacidade nem a intenção de impor mudanças em Cuba, as mudanças dependem do povo cubano. Não vamos impor nosso sistema político e econômico, porque sabemos que cada país, cada nação deve forjar seu próprio destino, ter seu próprio modelo”.
Como disse José Martí, a liberdade é o direito de cada homem para ser honesto, para pensar, para falar sem hipocrisia. Vou lhes dizer o que penso. Eu não posso forçá-los a concordar com isso; mas vocês têm que saber o que eu penso.
“Não é nenhum segredo que nossos governos discordam sobre muitas questões, eu tive discussões muito francas com o presidente Castro. Por muitos anos ele esteve apontando as falhas no nosso sistema norte-americano: a desigualdade econômica, a pena de morte, a discriminação racial, as lutas no exterior, apenas como exemplo; ele tem uma lista muito mais longa; mas os cubanos devem entender que eu gosto deste debate, deste diálogo, porque é bom, é saudável, não tenho medo”.
“Claro, temos problemas com a discriminação racial, com nossas comunidades, em nosso sistema de justiça, o legado da escravidão, a segregação; mas o fato de que nós tenhamos um debate aberto dentro de nossa democracia é o que nos permite melhorar”, disse Obama.
O presidente comentou sobre a última campanha eleitoral nos Estados Unidos e reconheceu que há um monte de dinheiro na política norte-americana, e elogiou a democracia americana, embora disse, “não seja perfeita”.
Por outro lado, Obama disse que “ninguém pode negar o serviço que milhares de médicos cubanos têm levado aos pobres, aos que sofrem”. E aludiu à colaboração conjunta de médicos de ambos os países na luta contra o Ébola. “Temos de continuar esta cooperação em outros países”.
“Nós temos desempenhado papéis diferentes no mundo. Nós sempre estivemos em lados diferentes, em diferentes conflitos no hemisfério; mas hoje estadunidenses e cubanos estão sentados numa mesa de negociação e estamos ajudando os colombianos a resolver a guerra civil que os tem atormentado por anos. Esta cooperação é boa para todos. Neste hemisfério todos têm esperança. Nós fomos por caminhos diferentes para apoiar o povo da África do Sul, para que o apartheid fosse erradicado; mas o presidente Castro e eu estivemos em Joanesburgo, fazendo uma homenagem ao legado de Nelson Mandela. E quando é examinada a vida de Mandela, suas palavras, eu tenho certeza que nós dois percebemos que temos muito a fazer para promover a igualdade em nossos próprios países”.
“Os dois temos pertencido a diferentes blocos de nações e vamos continuar tendo diferenças sobre a forma de promover a paz, a segurança, as oportunidades, os direitos humanos; mas o fato de normalizar essas relações acho que isso vai incentivar um maior sentido de unidade nas Américas: nós todos somos americanos”, disse Barack Obama.
“A história dos Estados Unidos em Cuba envolve revolução, conflito, esforço, luta, sacrifício e reconciliação agora. É hora de esquecer o passado, deixar o passado, olhar para o futuro, vamos olhar juntos um futuro de esperança. E não vai ser fácil, haverá desafios, e a estes vamos dar-lhes tempo; mas a minha estadia aqui me dá mais esperança para o que podemos fazer juntos, como amigos, como famílias, como vizinhos, juntos. Sim, nós podemos”, concluiu o presidente.