
Intervenção de Miguel M. Díaz-Canel Bermúdez, presidente da República de Cuba, na conferência virtual de alto nível: Economia pós-pandêmica da ALBA-TCP, em 10 de junho de 2020, «Ano 62º da Revolução».
(Tradução da versão estenográfica - Presidência da República)
Estimado presidente Nicolás Maduro Moros;
Distintos chefes de Estado e de Governo;
Chefes de delegações;
Estimadas autoridades econômicas dos países da Aliança e convidados que nos acompanham:
Quero começar agradecendo ao irmão presidente Nicolás Maduro Moros por ter convocado esta Conferência Econômica da ALBA-TCP.
Existe uma necessidade urgente de trocar experiências e chegar a acordo sobre posições para enfrentar os efeitos do Covid-19, uma pandemia que ameaça aprofundar significativamente a crise multissetorial que nossas sociedades estão sofrendo, principalmente na esfera econômica.
Não importa quanto dano global seja esperado, ninguém contesta que as nações do Sul sofrerão mais com as consequências da crise, porque o pesado fardo do subdesenvolvimento e do endividamento se soma às medidas coercitivas unilaterais às quais alguns de nós estão sujeitos, no contexto de uma ordem internacional injusta, que compromete o desenvolvimento sustentável de nossos povos.
Desde o início do ano, assistimos a uma dolorosa aula de economia política global.
Todo navio que teve os portos fechados; cada avião que não encontrou uma pista de pouso; cada pessoa infectada que à qual lhe foi exigido dinheiro para tratamento; cada especulação financeira feita para obter com vantagem os medicamentos ou os meios de proteção de que todos precisam; todo pedido de ajuda sem resposta; cada morto sem uma sepultura conhecida — todas essas tragédias das que soubemos através dos mais diversos meios — é uma expressão do egoísmo e da injustiça dos modelos econômicos de um sistema cujo único objetivo é enriquecer minorias às custas do sofrimento da maioria.
Incrivelmente, o mundo superdesenvolvido, aquele que rouba cérebros e deslumbra com o brilho de produções sofisticadas, mostrou-se incapaz de usar seus enormes recursos para construir um front global contra uma pandemia que só pode ser enfrentada por duas forças ao alcance de todos: cooperação e solidariedade.
Nos países desenvolvidos da União Europeia, que foram terrivelmente atingidos pela pandemia, muitas pessoas falam em separação do bloco, porque estão sentindo que a integração da comunidade não funcionou diante da emergência. O que poderia ser uma força adicional para países economicamente fortes, acabou sendo uma fraqueza na percepção de vários cidadãos, devido a deficiências éticas fundamentais.
Hoje podem ser vistas claramente as diferenças entre os governos que defenderam e fortaleceram o Estado como garantidor da estabilidade social e aqueles que, impulsionados pelas teorias neoliberais, reduziram o Estado, cortando benefícios sociais, serviços públicos de saúde e pesquisa científica.
A China, com sua resposta efetiva à epidemia no país mais populoso do planeta e suas contribuições para a Organização Mundial da Saúde e outras nações, mostra a diferença. Mesmo aqueles que falam depreciativamente de um «vírus chinês» foram favorecidos pela prática de solidariedade dessa grande nação.
Por outro lado, os governos que supostamente foram muito eficazes na integração de seus mercados, finanças, tropas e até na organização de invasões extrarregionais, não conseguiram articular esforços para salvar seus próprios cidadãos.
Hoje, o mundo inteiro paga o preço pelos abusos do capitalismo em sua versão selvagem. O exemplo mais próximo é oferecido pela América Latina, que se tornou o epicentro da pandemia, para revelar-nos, com toda a sua dureza, o custo de colocar o destino dos povos nas mãos do mercado.
O modelo neoliberal, estendido em nossa região, não foi capaz de atender às necessidades da pandemia nem será capaz de enfrentar o cenário pós-Covid-19. Os povos sujeitos ao fundamentalismo econômico de direita hoje sofrem os efeitos da redução dos orçamentos destinados ao setor da Saúde, proteção social, pesquisa científica e treinamento de pessoal médico e paramédico.
A experiência desses meses confirma que, com uma administração adequada da política fiscal e sem descurar os saldos macroeconômicos, o Estado desempenha um papel importante e não delegável no dever de proteger, regular e fornecer os meios necessários para enfrentar a crise, salvar vidas, manter a vitalidade da economia e, ao mesmo tempo, desenvolver programas de benefício social.
As previsões econômicas são tão dramáticas quanto os dados diários de pandemia. A Cepal — como explicado por Alicia — prevê uma queda de 5,3% na atividade econômica da América Latina até o final de 2020, com a consequente deterioração de importantes indicadores sociais. A taxa de desemprego seria de cerca de 11,5%, enquanto a taxa de pobreza aumentaria para 4,4 pontos percentuais e a pobreza extrema 2,6 pontos percentuais, em comparação com 2019. Isso implica que a pobreza vai atingir na América Latina, a região mais desigual do planeta, 34,7% da população, equivalente a 214,7 milhões de pessoas, e pobreza extrema 13%, ou seja, 83,4 milhões de habitantes.
Tomara que fossem apenas números, mas estamos falando de seres humanos: milhões de pessoas que se juntarão às grandes massas de excluídos, exacerbando os graves conflitos atuais.
Grande parte do comércio e investimento foi paralisada e as receitas tributárias e o acesso a fontes de financiamento diminuíram, como resultado da paralisia econômica que enfrentamos, da redução na demanda por serviços e na exportação de nossos produtos. Além disso, o turismo, uma atividade de grande importância para várias nações da região, foi afetado notavelmente pelo fechamento necessário das fronteiras.
O momento e o bom senso impõem à comunidade internacional deixar de lado as diferenças políticas e, juntos, buscar soluções conjuntas, por meio da cooperação internacional e da solidariedade essencial.
A prioridade de nossos governos na situação atual deve ser direcionada à promoção e desenvolvimento da produção de alimentos, com ênfase nas produções locais que garantam a auto-suficiência e demandem baixos níveis de importação.
É necessário maior prioridade e investimento do Estado no setor da Saúde, avançando no acesso universal e gratuito da população aos serviços básicos de saúde.
Nosso líder histórico, Fidel Castro, deixou escrito e disse em inúmeros pronunciamentos: «...em vez de investir tanto no desenvolvimento de armas cada vez mais sofisticadas, aqueles com recursos para fazê-lo devem promover a pesquisa médica e colocar a serviço da humanidade os frutos da ciência, criando instrumentos de saúde e vida e não de morte».
Cuba salva-se e contribui para a salvação de outras nações sob essa filosofia. Os países da ALBA-TCP podem fazer muito. Devemos identificar o potencial de cada um, com base na integração econômica regional que prioriza a complementaridade, cada país produzindo o que tem de mais competitivo e trocando bens e serviços.
Cuba está disposta a promover e expandir a colaboração na frente da Saúde Pública, na ALBA-TCP. Oferecemos conselhos para enfrentar novos desafios no campo epidemiológico, que podem ser realizados por meio de cursos e seminários. Oferecemos um ciclo de videoconferências de especialistas cubanos para transmitir sua experiência no combate à Covid-19 e outras situações epidemiológicas, e disponibilizamos o Instituto de Medicina Tropical Pedro Kourí aos países da ALBA como consultor sobre esse assunto.
Cuba disponibiliza para os países da ALBA uma abordagem médica inovadora para o manejo da Covid-19, que leva em conta a prevenção e o aprimoramento da imunidade dos pacientes com sistemas imunológicos disfuncionais causados pelo envelhecimento e comorbidades; o tratamento da angústia respiratória causada pela tempestade de citocinas em pacientes positivos para o vírus.
Além disso, Cuba propõe o uso clínico de medicamentos biotecnológicos inovadores cubanos que tenham sido favoráveis no tratamento de pacientes cubanos, especialmente idosos críticos e graves.
A solidariedade é essencial e não tem faltado nestes anos, mas é urgente melhorar as estruturas institucionais da frente econômica da ALBA-TCP para estabelecer uma agenda econômica de curto e médio prazo, projetar incentivos e trabalhar com maior agilidade e flexibilidade na identificação de oportunidades e projetos conjuntos. Temos a vontade política de realizá-lo e a capacidade demonstrada de cooperar e de nos complementar uns aos outros, o que pode ser multiplicado.
A «nova economia real» requer uma abordagem mais produtiva e menos inclinada à atividade financeira. O financiamento deve ser canalizado para a geração de bens e serviços, promovendo que «ganhar mais dinheiro produzindo do que movendo o dinheiro».
E como nossos adversários históricos estão arremetendo contra o consenso global hoje tão essencial, cabe a nós promover e fortalecer o multilateralismo e apoiar a gestão da Organização Mundial da Saúde e da Organização Pan-Americana da Saúde para coordenar uma resposta coletiva, a única maneira eficaz para vencer a luta contra a pandemia.
Cuba oferece modestamente as experiências de nossa estratégia nacional para superar os efeitos da Covid-19 e, paralelamente, enfrentar a crise econômica que ameaça o mundo inteiro e será mais grave para aqueles de nós que são vítimas de bloqueios genocidas.
Apesar da complexa situação pela qual estamos passando, Cuba não renunciou aos objetivos do Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social até 2030 para o bem-estar, o desenvolvimento e a prosperidade do povo.
A contribuição da biotecnologia cubana e de outros setores da ciência tem sido decisiva. Nossos talentosos cientistas, com suas pesquisas e produtos farmacêuticos recém-criados, derrotaram literalmente a morte. Enquanto no resto do mundo 80% dos pacientes gravemente e em estado crítico morrem, a ciência e a medicina cubana salvaram 80% dos pacientes gravemente enfermos e em estado crítico gravemente infectados pelo vírus sars-cov-2. E isso foi alcançado sem renunciar à prática internacionalista de compartilhar o que temos. A enorme e enganosa campanha do governo dos Estados Unidos contra a colaboração médica cubana, que privou dos serviços de saúde populações vulneráveis no Brasil, Bolívia e Equador, onde a pandemia está causando estragos, foi derrotada. Neste momento, 34 brigadas médicas cubanas, compostas por mais de 2.500 trabalhadores humanitários, estão contribuindo solidariedade para mitigar o impacto da pandemia em 26 nações, a pedido de seus governos.
Eles se juntam aos mais de 28 mil profissionais de saúde que já prestavam serviços em 59 países antes da Covid-19.
Nenhuma dessas contribuições é reconhecida pelo governo dos Estados Unidos, cuja administração intensificou o bloqueio econômico, comercial e financeiro contra Cuba com novas medidas coercitivas destinadas a dificultar, ainda mais, o esforço nacional de enfrentar a pandemia e a recuperação.
Excelências e amigos:
A paz e a segurança regionais também estão ameaçadas. A administração norte-americana se recusou a pronunciar-se pública e claramente diante de um ato terrorista ocorrido na capital daquele país contra a Embaixada de Cuba, que confirma a atitude de cumplicidade e conluio com aqueles que promovem atos violentos contra nossos países e ratifica que a linguagem agressiva e incitadora de posições extremas e violentas cumpre os objetivos estratégicos do atual governo dos EUA.
Em vez de responder às justas demandas de dezenas de milhares de pessoas que, dentro e fora dos Estados Unidos, falam pacificamente diante de abuso policial, racismo, xenofobia e desprezo presidencial por aqueles excluídos do «Sonho Americano» o atual governo insiste em dedicar recursos e energias aos seus planos maquiavélicos de intervir em nossa América.
A nação venezuelana irmã foi vítima de múltiplos ataques em violação das normas e princípios do Direito Internacional, consagrados na Carta das Nações Unidas e nos postulados da Proclamação da América Latina e do Caribe como Zona de Paz.
A crueldade das medidas econômicas coercitivas que o governo dos Estados Unidos aplica unilateralmente contra a Venezuela desperta indignação. A perseguição a navios mercantes constitui um ato de pirataria moderna, que estabelece um terrível precedente na região em relação às regras e regulamentos que governam o transporte comercial internacional.
Cuba reafirma seu apoio ao presidente Nicolás Maduro e à união cívico-militar do povo bolivariano e chavista.
Não menos repugnantes são as medidas contra o povo nicaraguense com o objetivo de impedir seu bem-estar e segurança. Expressamos mais uma vez nossa solidariedade ao Governo de Reconciliação e Unidade Nacional da República irmã da Nicarágua, presidido pelo comandante Daniel Ortega Saavedra, em sua heróica resistência contra interferências e intervencionismo.
Reiteramos nossa solidariedade aos países irmãos do Caribe, que sofreram os horrores da escravidão, do tráfico transatlântico e da pilhagem colonial e neocolonial, e que hoje enfrentam os desafios resultantes das mudanças climáticas, desastres naturais, sistema financeiro injusto e inclusão em listas de jurisdições não cooperantes, que comprometem suas pequenas economias. Exigimos para eles um tratamento justo, especial e diferenciado. O Caribe sempre encontrará na ALBA-TCP uma plataforma de articulação, cooperação e complementaridade para a defesa de suas reivindicações legítimas.
Irmãos:
A realidade que enfrentamos exige solidariedade contra o egoísmo.
Não há como render, mesmo com o joelho no pescoço, os povos que aprenderam a respirar a liberdade conquistada com o sangue de seus melhores filhos e resolveram lutar juntos.
Estes tempos difíceis devem nos motivar a continuar trabalhando juntos, com mais cooperação e ação comum.
Este foi o sonho dos nossos antecessores e continuará sendo uma prioridade da nossa Aliança. Trabalhando juntos, a vitória será nossa, agora e sempre!
Muito obrigado.







