ÓRGÃO OFICIAL DO COMITÊ CENTRAL DO PARTIDO COMUNISTA DE CUBA

Ninguém, salvo algum que outro contaminado pelos vírus da inveja e a mediocridade, põe em dúvida a estatura poética nem o calado da narrativa (La tregua, Montevideanos e Gracias por el fuego, entre outros títulos) nem o brilho dos ensaios de Mário Benedetti, o escritor uruguaio, ou diga-se melhor, nosso americano, a quem parabenizamos em 14 de setembro.

Agora mesmo na Espanha leitores muito jovens são os primeiros em ler as páginas da antologia poética preparada, para coincidir com o centenário do autor, por Joan Manuel Serrat. O cantor e autor introduziu o trabalho com palavras que vale a pena citar: «Não é fácil escolher o mais representativo dentre a extensa obra de Benedetti, mas confio em que nesta antologia estejam representados todos os Benedetti que Mário carregava em sua mochila, o escriturário rotineiro, o morador de Montevidéu de classe média, o jornalista comprometido, o viajantecurioso, o militante da pátria doméstica, o exiliado, o desexiliado e também o lutador político, e, naturalmente, o poeta minucioso e trabalhador que nunca deixou de ser…».

Denominador comum de tão múltiplos ofícios é uma palavra que o catalão sublinha: compromisso. À qual acrescentaria outra: consequência. Aqui diríamos que Mario nunca mudou de cor. Nem nas boas nem nas más. Algo sabido por aqueles que em Cuba o tivemos como mais um nos anos de trabalhar na Casa das Américas. Seus companheiros na instituição lembram dele e guardam valiosas vivências de sua proximidade à fundadora Haydée e de suas contribuições às investigações literárias. E além do mais, à formação de jovens escritores nos alvores dos anos 70, como poderiam testemunhar e agradecer Víctor Rodríguez Núñez, Alex Fleites, Norberto Codina, Abilio Estévez, Jesús Barquet e uns quantos mais dentre os que frequentávamos a oficina literária Roque Dalton, na colina universitária.

Era o homem singelo, generoso, cordial, integrado aos avatares de uma Revolução sempre assediada mas resistente, e ao mesmo tempo o poeta e militante que padecia em seu interior os horrores da ditadura que na época assolava o Uruguai, condição que revelou em um dos textos da série Cotidianas: «Do oitavo andar do meu terceiro exílio eu vejo o mar excessivo que me emprestam, penso na solidária terrível doçura deste povo que sabe arrimar seus amparos sem pedir contas (...) e eles golpeando cegos surdos mudos em crânios e pradarias e capas em testículos e úteros, quer dizer, procurando destroçar o futuro em cada talo».

Quando Fidel completou 80 anos, enviou uma mensagem de parabéns e reconhecimento a um líder no qual apreciou «a simplicidade de suas colocações (…), a franqueza que mostrava diante das nossas objeções e sua incontornável vontade de defender e melhorar o nível de seu povo», afirmou: «Eu passei em Cuba vários períodos: a primeira vez como convidado e depois vários mais como exiliado. A partir do seu estalido, a Revolução Cubana foi um grande abalo para a nossa América. No Rio de la Plata, os setores culturais tinham atendido primordialmente à Europa, mas a Revolução nos fez olhar para a América Latina. Não somente para interiorizar-nos dos problemas do subcontinente, mas também para aquilatar o poder e a pressão dos Estados Unidos».

Como entendeu o escritor o compromisso? Criação, dever cívico e paixão revolucionária. Aposta na emancipação de sua pátria, que começava no Uruguai e se prolongava em outras terras do continente e outros povos do mundo.

Em 1987 reuniu no volume El escritor latinoamericano y la revolución posible, reflexões que seria conveniente rever uma e outra vez pela sua vigência. Permanece intato o apelo a assumir um compromisso que «não deve ser um cisto mental, mas sim uma capacidade em desenvolvimento, uma forma de vitalidade, que ouça, compreenda e interprete a escaldante realidade contemporânea, e não se instale comodamente em um estado de pureza, sobretudo, verbal, a partir do qual dite normas, formule exigências, julgue condutas e determine como devem ser as revoluções e para onde devem se encaminhar». Exercício de humildade e vocação participativa que sempre deveríamos ter em conta.

Como também esta outra lição que nos legou em uma carta enviada ao crítico Ángel Rama de Havana, na qual discorre sobre o impacto da Revolução nos seres humanos: «Para o sujeito é um treinamento pavoroso, que o mantém alerta embora não queira, e que no fundo o vai capacitando para decisões rápidas, para mudanças profundas, para colocações originais. A gente mesma não pode evitar a oscilação temperamental entre o pessimismo e o otimismo, mas cada vez que volta a este último, a gente se sente mais em sua casa».