ÓRGÃO OFICIAL DO COMITÊ CENTRAL DO PARTIDO COMUNISTA DE CUBA
Fidel Castro e o ator e cantor norte-americano Harry Belafonte cultivaram uma relação muito próxima. Photo: Pedro Beruvides

Quando em 23 de julho de 2020 Harry Belafonte teve nas mãos a medalha da Amizade, concedida pelo Estado cubano, certamente editou em sua memória, como nos bons filmes, sequências inesquecíveis dos muitos momentos de sua vida em que compartilhou sorte, convicções e destino com os habitantes do arquipélago.

Naquele dia, o então embaixador de Havana em Washington, José R. Cabañas, disse: «Esta distinção constitui o reconhecimento de sua história de solidariedade com Cuba e seu respeito e admiração pelo processo revolucionário cubano».

No aniversário de 95 anos do ator, músico e ativista social norte-americano – nasceu no dia 1º. de março de 1927 em Nova York–, Belafonte continua sendo fonte de inspiração para muitos de seus compatriotas e para aqueles de nós aqui que valorizamos o artista excepcional, o ser humano extraordinário, o amigo carinhoso.

Um nome não pode faltar na consolidação de um vínculo tão especial: Fidel Castro. O líder histórico da Revolução e o ator e cantor, companheiro de luta de Martin Luther King Jr., cultivaram uma relação muito próxima, desde que Belafonte redescobriu Cuba em 1979, para não perder no futuro, desde que sua saúde o permitisse, a rota para Havana.

Harry conheceu a cidade na década de 1950, mas não antes de trocar palavras e experiências com muitos cubanos que moravam em Nova York, e sentir uma afinidade pela música do país vizinho, principalmente depois de ouvir Chano Pozo com a banda de Dizzy Gillespie.

Nesses mesmos anos, mais do que através de seus filmes, a música Mathilda penetrou no imaginário musical dos cubanos da época, tema que remonta pelo menos aos anos 1930, quando o pioneiro do calipso, o trinitário King Radio (realmente chamado Norman Span) lançou a música. Belafonte gravou pela primeira vez em 1953 e se tornou um sucesso imediato, reforçado por sua inclusão em seu segundo disco de longa duração da RCA Victor em 1955.

Em suas memórias, My song, publicadas em 2011, ainda inéditas em Cuba em sua versão espanhola, ele conta: «Quando me tornei artista e comecei a ter certa celebridade, ia a Cuba com bastante regularidade, antes de 59. Lá fui com Sammy Davis Jr., e para ouvir Nat King Cole, e sair com Frank Sinatra; o lugar onde mais nos reunimos foi o Hotel Nacional. Todo mundo estava se apresentando lá, exceto eu. Quando chegaram a mim, –e eu já tinha um contrato de trabalho quando o Hotel Habana Riviera abriu pela primeira vez – estava em um casamento inter-racial como era chamado naqueles dias e de repente me tornei persona non grata, em Cuba, em todos os lugares».

Precisamente por volta desses dias, ele filmou o filme de Robert Rossen, A Ilha do Sol, no qual interpretou um líder sindical negro de um território fictício das Antilhas que vivia uma história de amor com uma jovem branca da alta burguesia (Joan Fontaine). O filme gerou polêmica quando foi lançado nos Estados Unidos em meados de 1957, pelo que as elites racistas consideravam uma transgressão irresponsável. Após o triunfo de janeiro de 1959, Fidel, que além de leitor insaciável era cinéfilo na medida em que suas responsabilidades políticas e governamentais permitiam, viu o filme e conversou com Belafonte sobre ele, na frente de sua esposa Julie e do amigo e colega Sydney Poitier. Tanto para Fidel quanto para Harry, o racismo e a discriminação com base na cor da pele eram manifestações sociais e culturais inadmissíveis e aberrantes.

A esse respeito, observou em suas memórias: «Muitos exilados cubanos dizem que não havia racismo em Cuba antes da Revolução, que Cuba nunca foi racista, nunca como os Estados Unidos. Acho que Cuba, entre todas as ilhas do Caribe, todas com práticas racistas, foi a mais racista (...). Então, quando fui a Cuba depois da Revolução, a primeira coisa que notei foi a mistura de pessoas, principalmente entre os jovens, ainda havia resíduos dos velhos costumes, mas certamente entre os jovens, quando fui para a Universidade. E quando ia aos lugares de cultura, quando ia às creches, onde quer que eu fosse em Cuba entre os jovens, a plenitude da integração racial me atingia profundamente. (...) Não estou sugerindo que não haja algo de racismo em Cuba, mas é importante saber que não é uma prática oficial do Estado, nem está institucionalizada».

Precisamente os fatores objetivos e subjetivos que favoreciam a reprodução de atitudes racistas e discriminatórias na vida cubana e a luta por sua erradicação como parte inalienável do projeto revolucionário cubano, ocuparam mais de uma vez o diálogo entre Fidel e Belafonte. O amigo norte-americano recebeu a notícia da implementação nos últimos dois anos do Programa Nacional contra o Racismo e a Discriminação Racial, plataforma de trabalho de óbvia inspiração de Fidel.

Uma contribuição inestimável de Harry Belafonte para o desmantelamento de preconceitos teve a ver com a reivindicação da cultura hip-hop, e particularmente do rap, na cena cubana. Em uma de suas viagens no final do século passado, conheceu rappers negros que lhe contaram o quanto era difícil para eles serem reconhecidos pelas instituições culturais, por isso ofereciam sua arte na cena underground.

Anos depois, entrevistado pela ativista americana Sandra Levinson, ele confessou: «Vou contar uma coisa que me impressionou muito: vivenciei a cultura hip-hop dos rappers cubanos. (…) Fiquei surpreso com quantos havia e quão desinformada era a hierarquia nos círculos culturais cubanos de toda a cultura da música hip-hop. Depois de conhecer os artistas do hip-hop em Havana, conheci Abel Prieto em um almoço oferecido por Fidel Castro e começamos a conversar sobre a cultura hip-hop. Quando voltei para Havana alguns anos depois, pessoas da comunidade hip-hop vieram me ver e saímos juntos. Eles me agradeceram muito e eu disse, por quê? e eles responderam, porque sua conversa com Fidel e o Ministro da Cultura sobre o hip-hop levou a uma agência especial dentro do Ministério. (…) O que eu acho importante é a abertura da liderança para esse fenômeno chamado hip-hop, enquanto nos Estados Unidos fazemos muito para demonizar a cultura, e nem temos um Ministério da Cultura».

Como testemunho de sua inabalável solidariedade e senso de justiça, vale a pena recordar as palavras com que apresentou o comício realizado na Igreja da Reconciliação de Nova York em 27 de setembro de 2003. Nesse dia pediu que os Cinco Heróis Antiterroristas Cubanos submetidos a longas penas nos Estados Unidos. Também afirmou: «O que está acontecendo com nossa política contra Cuba não é o estilo norte-americano, não é a verdadeira voz do povo americano, não é a verdadeira voz daqueles de nós que profundamente, acreditamos nos direitos de todos os povos, na liberdade de todos e na democracia. (…) Há muito sobre o Governo cubano, o povo cubano e o que eles conseguiram, que muitos de nós aqui ainda estamos tentando alcançar».

Por que seu apoio ao povo cubano? «Não vejo isso como um esforço supremo», –disse–, «é um modo de vida: se acredita na liberdade, se acredita na justiça, se acredita na democracia, se acredita nos direitos das pessoas, se acredita na harmonia de toda a humanidade».

Tem Fidel em mente, como refletiu Estela Bravo: «Fidel é Fidel. Único para sua época, sua presença no mundo melhorou a vida de milhões de pessoas».