
O escritor José Lezama Lima disse que José Martí foi o mistério que nos acompanhou. Nos últimos días, um jovem amigo estava falando sobre o mistério do povo e ele estava certo, o povo também é um mistério.
«Mistério», nas palavras de Lezama, tinha uma conotação cristã e ele a usou naquela dimensão em que os crentes em Jesus a invocam ou invocam o que diz a Bíblia. Muitos apontaram as inevitáveis raízes cristãs de toda a filosofia ocidental, incluindo o marxismo. Essa herança se insinua, mesmo quando a submetemos a críticas históricas impiedosas, mas necessárias.
Socialmente falando, Jesus, como herança, acompanha a todos nós no mundo cristianizado e nós o re-semantizamos constantemente para reinventá-lo, seja para adequá-lo aos contextos que habitamos, seja para projetar outros contextos desejados.
José Martí, para os cubanos, carrega o mesmo mistério de sua inesgotabilidade. No caso do apóstolo patriótico, a diferença é que, sendo uma figura histórica comprovada, reunimos dele uma tremenda obra própria que dá testemunho de seus ensinamentos, além dos mitos. É por isso que, mesmo quando a resemantização dele é o exercício intelectual favorito de todo cubano, sua palavra está lá, escrita, pois quando a fantasia criativa, ou a perversão que usurpa, se afasta demais do referente, seu verbo, como uma corda invisível, teima em fazer sentir sua presença.
Para aqueles de nós que estão em dívida com seus ensinamentos, essa corda é um doce fio de Ariadne pronto para nos libertar de nossos próprios labirintos. Para aqueles que o invocam como um meio pérfido de negar seu magistério, o fio deixa de ser, para se tornar uma corda atada que açoita a carne dos traidores. Como um vai de um a outro é um mistério que se fecha sobre si mesmo, pois a natureza deste fio depende de si mesmo.
O povo, como conceito, emprestou-se à demagogia vil até que, quando foi fundamentado por Fidel, adquiriu um senso de classe. Ao dizer, o povo, «se é uma questão de luta», ele o ungiu com o mesmo mistério do combate, mas desta vez, trouxe à fórmula a capacidade coletiva sem precedentes de transformador social para um mundo inatingível. Um mundo ao qual aspiramos, já que foi invocado como meta pelo primeiro homem crucificado, e trazido a Cuba pelo projetista da república ideal. Fidel condensou no povo o mistério que sempre nos acompanhou e que meu jovem amigo mencionou há pouco.
É por isso que é importante entender que, quando nos referimos ao povo, é sempre «se for uma luta». E que o povo é aquele que neste 1º de maio desfilou pelas praças de Cuba, porque ali, naquele momento, tudo era luta e quando chegou o momento de acender os fornos, deixou de lado as sombras e se tornou luz.
E este mistério feito povo, como um culto racional, foi negado toda vez que deixamos de fazer o que é necessário, toda vez que somos injustos ou permitimos que a injustiça seja feita, toda vez que escondemos atrás de seu nome nossos próprios pecados fingindo que eles são virtude por causa disso. O povo é um sacrifício e não um pedestal. É a hora dos acertos de contas e nos pedem para assumir o momento como o agora ou nunca que foi.
Deixemos de errar no tangível e no intangível, no que nos reproduz como um ser social e como uma consciência social. As batalhas não são vencidas com mediocridade, com meias-medidas, com a pretensão de transformar o sussurro em ideologia. E menos ainda se ganha com disparates. Somos um povo em um Partido, e somos um Partido para um povo. Miguel Díaz-Canel é nosso primeiro-secretário e nosso presidente, e por trás dele, o quadro unido. A batalha pela Revolução chegou ao estágio em que depois de Peralejo devemos chegar à Baía dos Porcos. Devemos isso a Fidel e Raul, o que quer dizer que devemos isso ao povo.
Nós pertencemos ao povo, mas não somos o povo. Quando tentamos ser o povo, explodimos, porque um único indivíduo não se encaixa em todo o seu universo: heterogêneo, diverso, contraditório, complexo. E apesar de sabermos da explosão, nós, as crianças que olham para este mistério e aprendem com ele, procuramos a explosão como aquele instante aparentemente fugaz, onde o sol brilha em nossos rostos enquanto vivemos.







