ÓRGÃO OFICIAL DO COMITÊ CENTRAL DO PARTIDO COMUNISTA DE CUBA
A audiência, entre eles familiares das vítimas, espera o veredicto do julgamento contra 17 implicados. Photo: El Clarín

FUGIRAM ao exílio aonde lhe deram abrigo. Por centenas saíram até casas solidárias no México, Cuba e alguns países da Europa, principalmente. Eram homens e mulheres — mormente jovens — que escapavam das garras de um condor, convertido da noite à manhã, do homem de uma ave andina, das maiores do mundo, em um pesadelo diabólico que plantou a morte por toda a América do Sul.

A propósito do atual processo — 41 anos depois — de um grupo de implicados no Plano Condor na Argentina e de um título que o cataloga de “histórico julgamento”, recorri à memória, a notícias e outros documentos sobre aquela terrível etapa da história latino-americana.

Lembro que foram muitos os mortos, desaparecidos, torturados; e também os que salvaram suas vidas graças à solidariedade internacional que os albergou.

Por tudo isso — talvez — várias décadas depois, seja bastante difícil para mim compreender que essa peste militar ainda tenha níveis de influências em comandos, inclusive após a chegada da democracia a alguns destes países.

É tempo demais que, 41 anos depois de concebido o Plano Condor, ainda não se tenha feito justiça com muitos dos implicados em tão sinistro engendro de torturas, mortes e desaparecimentos.

Não podem perdoar tanta demora os familiares dos mortos, os torturados, os que ainda hoje esperam notícias sobre o destino de filhos ou netos desaparecidos pelas ditaduras militares do Chile, Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai.

Agora, quando um Tribunal Oral Federal argentino ditou sentença contra 17 imputados pelos crimes cometidos sob o manto do Plano Condor, vem à minha mente a tão importante memória histórica, essa que tentou apagar-se quando durante décadas não se pôde fazer justiça contra envolvidos em tais feitorias, e muito menos contra quem desde a CIA norte-americana, conceberam e apoiaram o mesmo.

Como se coletou no Centro de Estudos Legais e Sociais da Argentina, esse fato constituiu um sistema formal de coordenação repressiva entre os países do Cone Sul que funcionou desde meados da década de 1970, para perseguir e eliminar militantes políticos, sociais, sindicais e estudantis de nacionalidade argentina, uruguaia, chilena, paraguaia, boliviana e brasileira.

Dependendo da fonte, as mortes provocadas pelo Plano Condor se contam desde várias centenas até 60 mil (alguns incluem o total dos 30 mil desaparecidos durante a chamada “guerra suja” na Argentina), assinala um despacho da BBC Mundo.

A mais recente histórica recolhe que os máximos expoentes do Plano Condor, longe de ser sequer alcançados pela justiça, morreram por doenças, sem conhecer o rigor de um cárcere de acordo com a abominável ação repressiva que realizaram.

No caso de Augusto Pinochet, o mais que pôde fazer a Corte chilena em 2005 — ou seja, 30 anos depois de seus assassinatos — foi exonerá-lo de ser julgado devido a sua precária saúde de então.

Um ano depois morreu e deixou muitas perguntas sem esclarecer sobre seus capangas, fundamentalmente carabineiros, implicados na sequela de crimes perpetrados durante mais de uma década.

No Paraguai, onde a descoberta dos chamados “arquivos do terror”, manifestou o grau de implicação do então presidente Stroessner no Plano Condor, tentaram julgá-lo, mas o criminoso sul-americano se tinha refugiado no Brasil amparado de qualquer ação judicial, até que morreu em 2006, sem que nele caísse o peso da justiça.

Ao sanguinário ex-ditador argentino, Rafael Videla, iniciou-se um processo judicial em 2001, sendo condenado em 2010 à prisão perpétua pelo desaparecimento de 31 detentos, roubo de crianças em centros clandestinos de detenção, e outros cargos. Videla morreu em 2013.

Hoje, quando a imprensa internacional fala de que com este “julgamento na Argentina se fechou um dos últimos capítulos da Guerra Fria”, bem vale a pena recorrer a essa história que não se pode ignorar, desde 28 de novembro de 1975 quando nasceu o Plano Condor durante uma reunião no Chile.

Como esquecer aqueles “voos da morte”, em que os militares e a CIA lançavam ao mar e aos rios, desde aeronaves, dezenas de pessoas das quais nunca se teve notícia?

Do citado plano com nome de pássaro andino, muitos analistas citam a Henry Kissinger, secretário de Estado norte-americano durante o governo de Richard Nixon, como o autor ideológico; e que seu antecedente direto foi o Decreto Noite e Névoa, empregado por Adolfo Hitler na Alemanha.

Sobre isso, a BBC Mundo cita à professora estadunidense Patrice McSherry, que divulgou que mediante um documento secreto da CIA, datado em junho de 1976, é confirmado o sequestro e tortura de refugiados chilenos e uruguaios em Buenos Aires.

Segundo ela, tais planos emanaram na década de 1960 da Escola das Américas e das Conferências de Exércitos Americanos, mediante as quais os Estados Unidos adestraram os oficiais em ações “preventivas” (torturas).

Os Arquivos do Terror, revelados no Uruguai, citam ao conotado terrorista de origem cubana, Luis Posada Carriles, envolvido no assassinato do ex-chanceler chileno, Orlando Letelier, vítima de uma bomba nos Estados Unidos como parte das ações contidas no Plano Condor.

Em igual sentido se assinalam documentos secretos entregues à imprensa, onde se divulga que o autor material do atentado e morte do general Carlos Prats e sua esposa, foi o agente da CIA Michael Townley.

Pelos arquivos desclassificados da Agência Central de Inteligência, soube-se que o chefe da DINA no Chile, Manuel Contreras, aparece como “criador” da Operação Condor, após permanecer como convidado em 1975 no quartel-general da CIA em Langley, durante 15 dias.

Concluo este comentário com uma pergunta: poderia então esquecer-se a memória histórica e dar por concluído este pesadelo letal quando se julgam apenas 17 im­plicados?